Hoje,
olhando pro calendário, atesto com certa vergonha que faz mais de um ano que afastei-me
dos escritos neste blog. Fazendo as contas, esta lacuna refere-se ao período
exato que aceitei a rica tarefa de atuar e coordenar um projeto em um hospital
do Rio. De nome Educação Informal, o projeto é realizado com crianças e
adolescentes com doenças crônicas em seus momentos de internação, normalmente
prolongadas e, infelizmente, habituais.
Passei
a conviver diariamente e intensamente com essas crianças
e adolescentes, e suas particularidades e generalidades. Minhas manhãs foram
preenchidas por eles. Ao final de cada trabalho, despedia-me delas, algumas de
forma definitiva, mas levava-as comigo emocionalmente. Aprendi e continuo
aprendendo sobre suas síndromes, a rotina de suas internações, a rotina dentro
do hospital em áreas de precaução de contato – lavar a mão, colocar luvas e
capote, tirar luvas e capote, lavar a mão, prosseguindo um ritual repetido
inúmeras vezes por dia. Aprendi e felizmente continuo aprendendo e me
surpreendendo, que por mais grave que sejam suas doenças, por mais adoecidas
que estejam, elas continuam sendo, do dedo mindinho até os fios de seus
cabelos, crianças e adolescentes.
Nas minhas ações diárias nas enfermarias, portando um computador cheio de jogos educativos, atesto a riqueza e a amplitude do lúdico e todas as suas facetas. Da possibilidade de criação de um espaço mais condizente com a própria infância, mesmo em um ambiente hospitalar.
Em
meu trabalho, pelo sua proposta e objetivo, onde faço parte de um núcleo de humanização
do hospital, lido diretamente com crianças e adolescentes e não com seus
prontuários. Seus estados de saúde tornam-se fundo durante boa parte dos nossos
momentos juntos, mas, por vezes, nos atravessam e viram figura, por conta de
procedimentos médicos, medos, fantasias, dores presentes nestes períodos. Seus
estados físicos e emocionais são refletidos neste espaço, inclusive as mudanças
de humor que ocorrem, onde sou acarinhado inúmeras vezes por seus sorrisos no
transcorrer de nossas relações, onde antes existiam caras que refletiam mais
tristeza e preocupação.
Quando
estou com elas, cria-se um momento de brincadeira e descontração, capaz de não
apenas facilitar a própria permanência no hospital e adesão aos tratamentos, e
de mantê-las próximas ao ‘contexto escolar’ e facilitar a permanência em suas
escolas (objetivo principal do projeto que coordeno), como de transportá-las
para algo mais próximo ao mundo infantil. Cria-se um espaço de licença poética,
onde crianças brincam e divertem-se, mesmo em um local nada configurado para
tal. Neste momento, percebo nitidamente a capacidade das crianças de irem além.
Muito além da realidade da própria doença física, além dos diagnósticos e prognósticos,
além do ambiente frio do hospital. No lúdico do jogo, elas exercitam conteúdos
escolares, brincam, alucinam, divertem-se, e me divertem.
Vivencio
uma emoção indescritível por estar com elas, um estado de plena entrega, esquecendo,
algumas vezes, da hora e da fome, com momentos onde observo a minha própria dificuldade
de ir embora. Fico muito feliz, de uma felicidade de sorriso bobo e largo,
quando elas recebem alta, quando finalmente deixam os leitos do hospital, mesmo
que temporariamente. Mas confesso, egoisticamente, que sinto falta dos Brunos,
Gabrielas, Guilhermes, Wandersons, Willians, Vitórias... que nas suas
permanências hospitalares marcam-me com constância profunda.